Resumo de uma vida

Fui ao subterrâneo das minhas intrigas procurar um pouco de verdades, tudo que achei foram nós na cabeça e conceitos que pareciam miragens, fiz dos sorrisos um início de vitória, um passo decorrente que nunca cessou, procurei oasis no pensamento e um pouco de conforto para calar a mente imatura. Depois de horas a fio entre o desejo de buscar caminhos vangloriosos e a sede de pular de cercas intactas pelo destino, vi meus olhos mirarem belas pastagens, belos campos e sonhos floridos. No desfiladeiro das cegonhas vi nascer o primeiro recém-nascido, aquele que veio celar suas armaduras e enfrentar meio mundo, me joguei do precipício em busca de vaidades e inúmeras possibilidades passaram rente a mim como vento, eu era o frio a inebriar de razões até então esquecidas, qualquer rumo aparente, um soro incerto que talvez viesse a curar o corpo e também a alma, um espiírito indolente  a premeditar  o socorro e a ajuda necessária. Fugi da minha gaiola, agora eu era um pássaro solto, longe do ninho, batendo suas próprias asas. No decorrer do dia e no percurso da madrugada, fiz de conta que era o rei, mas essa majestade queria usar seu trono como forma de poder, como abuso indecoroso a quem sabe ser mais do que podia numa noite abissal. Eu fugi da maldade que queria se alastrar e procurei com simples gestos, uma  única gota de bondade, esses pingos seguidos de chamas anunciavam a profecia de vias melhores, ruas que podiam indicar horizontes e planícies pouco perdidas no tempo. O tempo era algo que parecia sem soluções, o passado me assombrava às vezes como quem quisesse repetir outras vidas num único monte de incertezas fúteis. Eu tentava novamente escorrer por esse ralo e sair num paraíso mais hospitaleiro e cheio de perfume. O grande contraste entre trevas e anjos de uniformes brancos e harpas na mão dependia das escoriações que o céu jogava em seus colos, das nuvens que carregavam lágrimas e do sol a carregar luzes. O momento era de claridade, me afastar do que poderia chamar de pensamento  nublado e insano  era o melhor a ser feito. Meu prognóstico de ilusões era só uma vista embaçada  que aparecia no mapa sem dizer ao certo para quem era o tesouro. Meu tesouro era esquecer tudo que aconteceu e começar uma vida nova plena de carinhos e felicidade. Fui ao pântano encontrar glórias e me vi afundar numa areia que abria espaço a novas possibilidades, mergulhei fundo e o que encontrei foi o outro lado da moeda, uma natureza aberta para fortunase muitos cristais que refletiam todos sentimentos mais puros. No poço pude aprender a sonhar e assim nunca mais cai, tive a vantagem de voar feito asas, além de um infinito que acariciava as limitações e sabia que limites não existiam, só a complexidade das razões e do espaço. Nos pés que caminham sempre haverão passos maiores que as pernas mas o que importa é estender as mãos para esses pés continuarem a caminhar. Tenho a nitida impressão, de que quando fico parado é porque tem algo maior falando pra isso acontecer e que quando movimento é porque novas escolhas surgiram sem pestanejar. Tento fazer destas escolhas, o meu destino, um palco iluminado pra vida e pra tudo que pode me tornar um ser mais abençoado. A grande vantagem do mundo é não esquecermos quem somos, lembrar que fomos feitos nas prisões mas que existe liberdade, que existem conquistas, que o céu não pode criar barreiras , que nem mesmo o chão pode servir de obstáculo. Por mais que o cimento pareça erguer uma estátua inerte, sempre há a possibilidade que esse homem de pedras  e areia mova um dedo em direção a tudo que pode criar monumentos maiores que ele mesmo. Sei que choros quando há tristeza aflorando meu peito, quando uma flor murcha em minhas estâncias anuais, em minhas insônias minerais, é hora de reconstruir castelos e concretos, de elevar a mente na intuição , que assim tudo recomeçará mais belo. Saiba, troféu de intrigas e lamúrias, que os bons pensamentos nunca cessam , que não há tempo pra desperdício, onde há vela acesa, tem uma pluma pairando no ar lentamente, pronta a calcular sua matemática até que aterrize. Vou fazer de conta que sou um poema e sua estrutura macia, rica em estrófes, vontade de virar um soneto não me falta, nem vontade de rimar. Há quem diga que haverão pesadelos durante as tempestades, mas eu acredito que nunca é tarde quando acendemos o fogo com vontade. O homem inventou a roda, também inventou o fogaréu das noites que ficava nas cavernas, então, ele é capaz de tudo, de subir montanhas e construir vilarejos, campánarios e sentir que falhar é um processo natural  de toda humanidade. Durante o começo dos séculos, antes mesmo de haver morada para lacaios e estranhos, muitos sabiam que a serpente dos maus comentários preparava seu bote, que a morte era o inicio de novas aventuras  e que corrigir fracassos era abrir as portas para um novo retrato, onde se podiam ver riquezas e também aqueles que eram pobres de espírito. Felicidade e é um alvo com teor de nauseas, com teoremas e pausas, com alegrias e surpresas, não existem só pólos negativos ou positivos no mundo. Durante a hospedagem dos cometas aqui na Terra , muitos seres foram extintos e outros inaugurados. Saiba que os comparsas do crime, ou de qualquer ato insolente fazem por merecer suas recaidas e seus sofrimentos, que nos corações mais entusiasmados  há a esperança de crescer sempre e de se tornar um sol nascente. Cicatrizes e marcas de nascença não me faltam pra dizer, que sou os pontos a corrigir qualquer veia dilacerada. Quando não se sabe mais o que dizer a gente embroma, vai repetindo cenas, reprisando acontecimentos, fazendo das viagens insólitas, um aprendizado diário sem menosprezar os professores que passaram durante as fases de dúvida e incompreensões.

Leite derramado

Há um desvalido de sinceridade constante

que deixa minhas veias autistas

não se revelarem como sangue de artista

e que faz águas vermelhas se perderem

à margem de um sofrido continente

quem não é honesto e se perde nas areias

caquéticas do mau funcionamento

não consegue drenar sua maré viva

deixa sim as artérias correrem desalinhadas

e nos desatinos das curvas onipresentes

solta os fardos mais que pesados

e não afrouxa os fechos carpinteiros

das velhas encruzilhadas

são carpideiras destilando o fel

feltro feito de irremovível verniz

que respinga no vinho vencido das igrejas

e seja por pueril vigília de um traste qualquer

ou por pestes que vivem a mingua na sarjeta

nunca enganarei meus córregos

aterrado-os em artérias

não colocarei rejeições em meu leite derramado

sentirei severamente as cócegas de minhas tralhas

trocarem as vestes dos armários

e tocarem de pranto aberto

novas possibilidades de risada

sobre as gôndolas leiteiras do passado

não sentirei mais as dores verbais me assolarem

nem o ganho e a perda de minhas natas

me amamento de idéias hilárias

e corrijo nesse corredor de óvulos

hábitos de uma grandeza sustentável

para multiplicar os alívios de compensação

não colocarei em meu corpo

fluidos e semens da rejeição

nem farei a asma que contem as palmas

sufocar de aplausos a reticência de meus atos

se as exclamações de minhas entranhas

optarem por horas a fio de interrogações

ponho vírgulas e pontos em minhas emoções

Quilates mas não mordem

Vou contar os dedos das mãos

como quem desfolha seus quilates

forjando seus anéis incrustados

procuro remover com álcool os desgastes

que tingem a mente de preocupação

vou dourar a ouro minha alquimia

que é destilar segredos ilusórios

vou remover as pestes públicas

pra não andar na multidão

sonhando acordado

vou bocejar vagarosamente

e flambar as labaredas da visão

olhar com doçura meus critérios

meus créditos de devoção

assim pretendo desposar maciez infindável

e não cair no peso das armadilhas

que criam embalagens frágeis

vou abrandar o teor cético

das minhas peripécias divinas

falar em tom raquítico

que pretendo lapidar minha estrutura

minha cartilagem óssea

tem motivos de sobra

pra não se assombrar com corpos

que aglutinam lamentações

Sem títulos

1

Uma selva de lâminas

acariciava os arbustos

que pequenos dilaceravam muitos

era de se espantar o tamanho dos sustos

que coléricos difamavam os outros

nas entrelinhas de um arvoredo

se via escondida a pequenez atroz

que consumia a grandeza de poucos

era notório o calcular de preces graúdas

que afastariam os desfalques e fobias

pra que gestos servissem de alento

era preciso mais que contentamento

era preciso que a proteção dos cômicos

limpasse o humor de seus assoalhos

e não pisasse no gramado da seriedade

era preciso nostalgia em forma de criança

pra que na infância o amor  restituísse a saudade

nos vínculos que unem veículos

estão unidas as lembranças motoras

ninguém esquece de estacionar mais tarde

uma guerra de seda tremula

não espanta dos olhos a leveza

e não deixa de fazer voar a libélula

que esbanja em seu pouso a certeza

que seremos felizes pra sempre

uma serra que corta a cerca

nunca mais prenderá infortúnios

e não salgará o mel das abelhas

pra que mude de gosto a tristeza

que um dia se transformará

em luxúria previa da alegria

pra que num hibernar de luzes

nunca se apague a euforia

é sabedoria absoluta se embrenhar em via

espantar as ruas da agonia

e tilintar pelas mais belas avenidas

uma trégua as campinas

que verdes não amadurecem seus conselhos

e se entregam ao rústico patrimônio das intrigas

devemos espelhar nossos reflexos na montanha

e avistar a serra que se condensa diante das maravilhas

2

Em meio à sombras delirantes

a carniça debruçava suas lastimas

a cabeça debruçava ameaças

e o  ombro dissecava-se nas matas

era lisonjeiro o açoitar de corpos

ruminando a esmo

e as incógnitas do tempo

diziam que o amor estava em pedaços

ninguém morria de fato nos campos

ninguém entoava um só pranto

e chorava órbitas e desenganos

era de derramar vitórias

cada gota ininterrupta de fracasso

e a derrota perpetuava nos corações

onde o homem passava horas a fio

num compasso intrigante de idéias

e os tecidos rígidos da lisonja

interrompiam as mortes súbitas

quando havia ainda ar para respirar

os trajetos emoldurados da ira

ofuscavam o sol nascente

e declinavam o poente

eram lindas as cóleras do mundo

as feras gananciosas do lirismo

onde os poetas sanavam dores

e declamavam seus amores

troféus do exílio coletivo

e dos pecados aflitivos

nas selvas intrínsecas do desperdício

haviam ainda almas variando sonhos

catalogando adornos

desperdiçando vidas

e as nuances dos mortos eram obras

intermináveis que não cessavam

formas tetraplégicas de consumo

arquétipos de insensatez e loucura

em meio à câimbras e avarezas

o monstro da fartura devorava decência

e construía uma sociedade arrogante

formada por cartas na manga

trapaça e um punhado de avareza

no fim tudo era incerto e colibri

voando perto da tristeza

Desabafos sustentáveis

Unindo a haste perfeita

me sinto famigerado ao extremo

como se estivesse no paraíso

fugindo de meus problemas

tento curtir melhores acalantos

e nunca me perder dos guizos

pois eles me fazem recordar

que cada serpente é um antro

de perdição a ser esquecido

nos semblantes mais larvais

encontro a origem dos meus nervos

explícitos e navais

eles empurram as embarcações

e deixam as âncoras para trás

nos barcos há uma proa que separa

toda discórdia que se arrasta

e deixa os marujos indefiníveis

acompanhados de restos

que querem ser reconhecidos

e não cria máquinas

que se alojam nas arestas do desperdício

mesmo nos momentos de calibrar compromisso

eu respiro com tamanho alivio

nenhuma praga pode açoitar pêlos

que se soltam dos signos animalescos

pois eles têm a garra de decifrar o futuro

e não são como fantasias de carrascos

a ignorar a formula e o soro

que podem curar o mal

toda presa culpa o predador por sua fraqueza

mas não é de se espantar que no mundo

ainda existam troféus de beleza

no paraíso volto a dizer

me sinto como quem foge dos resíduos

que tornam perecíveis as virtudes

sou um rapaz assíduo

mas nunca cavo o fundo do poço

com os mesmos tratores

nem mesmo escravizo personagens e atores

que sejam eles reais, fictícios

ou semelhança entre meus humores

prefiro rir ao gozar de meus atrevidos horrores