Algazarras e Gramáticas
Travas nas línguas que não têm muito a dizer
que definham letras , palavras e sílabas
há um gotejar de vogais minimalistas
no paladar que dita consoantes
ninguém está a salvo da gramática
ninguém corre para longe
quando o acento é mais soturno
o dia desperta seus laços
e une um emaranhado de fissuras
que não se corrigem
nem mesmo em clínicas orais
trevas travam o celeste silenciar
daqueles que já falaram muito
mas o céu não tem lugar pra mudos
nem mesmo pra quem não escuta
o cintilar da lousa áspera e fria
não há caminho para os surdos
não há intervenção para a ausência
de todos os sentidos
quando tolos estão fadados
a se aventurar em hospícios
o que escuto são gemidos
e pingos de pavor caídos no chão
pausas momentâneas são semáforos
sinais de ausência e movimento
farejo meu esquema tátil
e apalpo minhas mãos calejadas
surradas de sufoco e desavenças
brasas não pisam em seu fogaréu
servem de escravas e réu
de toda brisa que passa
e atrofiam semblantes camaradas
que da vida não fazem mais nada
Duas folhas
Dois tipos de folhas me questionam
a folha do caderno que ergue palavras
e serve pra identificar sonhos
e a folha de um outono que seca
e definha quando o dilema é a guerra
com mãos em punho escrevo poesias
deixo a imaginação e a real compostura
fluírem sem nenhuma flecha
a atingir com quedas múltiplas a dor
já a estação das rugas e do cansaço
viu o tempo passar
e hoje já não tem nem força pra falar
comprimida de ideais esquecidos
perdeu seus encantos mais fortes
e hoje canta com a agonia dos mortos
e sem o calor dos trópicos
temos que iluminar nossos dias
resgatando a robustez da primeira folha
daquela que enxotou os conchavos alheios
e que pensou em suas próprias conquistas
temos que entoar cantigas de acordar
e não ninar pensando na próxima estação
o outono já se preparou para o inverno
sente o ardor gélido remoer suas entranhas
temos que lapidar nossas façanhas
e não cair no conto do vigário incrédulo
nem acreditar que somos adeptos
de um vilarejo seco de emoções
e gotas que não choram
os virtuosos derramam prantos de glória
e não inundam os lares de alegria cativa
que cai sempre na mesma rotina
como gatos atrás de um novelo de lã
temos que ser valsa
e não falsos em nossas cantigas
Poema 1
Ordem desmerecendo confusão
fases abruptas de frases ignotas
individualizando a rebeldia
de um emaranhado de cafajestes
desmemoriados em seus requintes
mais aloucados em seus disquetes
é momento de arrumar as gavetas
e separar as flores do jardim
de colocar nas brisas o meio
que irá solidificar o fim
não deixar pra amanhã
o que se pode fazer hoje
e aloirar as encostas do sol
antes que fagulhas da esperança
se tornem pó
lágrimas nunca molham o arco-íris
simplesmente colorem a água
trazendo resquícios de cor para chuva
e acalmando as tempestades
ordem desmerecendo bagunça
ouça o que os meninos dizem
que no colo do jovem calmo
nunca haverá cólicas de maldade
mas sabedoria e maturidade
em órbitas cintilantes
Poesias de antonio luis
1
Uma batolada de incidentes precários
não virá servir de subterfúgio a escassez
ao dilúvio mediúnico que há de captar
em auroras enevoadas meu silêncio
amiúde conquistarei sopros cartesianos
e a mim vou implantar o soro da cura
para que possa redimir meus fracassos
e acender o cetim no feitiche das bigornas
gerando leveza invés de lugares pesados
um entulho fará varreduras em meus brônquios
e trará frescores a minha órbita cintilante
todo ar que respira tem um lar
e assim vou morar aliviado e menos tenso
sem perder o senso do exímio
pois não quero bancar o ridículo em meu veio
no seio da terra que me cria particularidades
haverão partículas de um bem querer amoroso
lá impostarei a voz para ecoar nas grutas
e me sentir em casa devastando horizontes
nas partituras dos meus sustenidos
darei um tiroteio mensal aos meus gritos
mas um tiro de flores a lavar a alma
com cheiro de canções encantarei meus pulsos
e a serviço dos brilhos do sol
luzirei sobre as chamas iluminadas do amor
é bonita cada virgula que se torna ponto
a exclamar suas afinadas indagações
me lamuriar não está nos meus planos cerebrais
mas está nos momentos arejados em que uso a mente
a mente dos cobertores a me socorrer
a trazer conforto para todo o meu corpo
e a esquentar como viseira os cílios
mais perturbadores e insones
agora acordo para as idas e vindas do espírito
que elas não tentem medrar minha carcaça puritana
mas que tentem tornar obra os restos da sobra
sobra embutida em um criado mudo
que se torna servo liberto e fala palavras doces
a beleza do mundo está em saber o gosto e o gesto
e não em se atenuar ao custo e ao vélcro das incertezas
nem ao sustos dos absurdos e dos mestres inglórios
2
Câimbras paralisam o conchavo
que existe entre beatos de pouca fé
começam a formigar os membros
os membros de uma sociedade anestesiada
pela falta de bom senso
ninguém está radiante de alegria
todos estão fadados ao esquecimento
desmemoriados pelas fúrias constantes
ovacionados pela estirpe da tolice
juras de pavor não param de vaiar
e os aplausos se tornam puros mitos
samambaias estão a deriva nos castelos
as plantas começam a murchar de desespero
enquanto as flores perdem seu cheiro
e os sábios esquecem das glórias errantes
não existe viva alma no semblante do poço
todos esquecem de afundar no interior
no interior de suas emoções
e acabam por prestigiar falsos abismos
e não conseguem mudar de vida uterina
se perdem no muro de suas origens
e castram o orgulho fétido da felina
que não rasteja mais atrás de sua presa
tampas de bueiro fecham realizações
o esgoto não será banido das vidas reprimidas
e o amor será alvo de vandalismo
quando as portas do mundo forem extraditadas
como bagagens sem valor próprio
lâmpadas escravizam a luz dos olhos
apagam a realidade
transformando velas em dejetos artificiais
devemos iluminar os brasões da hospitalidade
e não passar o rastelo no solo da infertilidade
Não teve
Meu mundo não teve Guerra Santa
nem serra elétrica
nem Hora do espanto
nem Flora da Holanda
Meu mundo não teve freira na Biblía
férias na Índia
nem Olímpiadas
Meu mundo só teve você
você, você
Meu mundo não teve Beira de Rio
leia um livro
nem cometa no céu
Meu mundo só teve você
você, você
Meu mundo não teve cabeça de indio
aconteça no frio
começa no amanhecer
só teve você
você, você
Meu mundo não teve
hoje, agora, felicidade, tudo bem
só eu e você, você, você
Antonio Luis Neto